Um pequeno pássaro estende as suas asas, recolhe-as de seguida, rapidamente, num gesto brusco. Abre o leque de penas que lhe trespassa o dorso num movimento descontraído e involuntário desvendando as cores vivas que, em oposição ao momento, se sobrepunham e se escondiam quando o leque perfeito ainda se encontrava fechado.
Que lindo pássaro...
Tão modesto e, no entanto, de uma riqueza majestosa, de uma beleza ofuscante... E, apesar de voluptuosa plumagem a pequena ave não se enchia de si, não procurava exibir-se, simplesmente se deixava existir...
Agora sim, estava pronto a voar. Distendeu as pequenas asinhas, flectiu os joelhinhos minúsculos - tão frágeis que ameaçavam pulverizar-se ao vento - e, num impulso com mais força do que os seus membros faziam acreditar, lançou-se no vazio...
...
Sentia a brisa a coçar-me os braços abertos, sentia o odor que ela carregava a folhas secas, a musgo que cobria uns quantos troncos de umas quantas árvores a alguns metros para trás. Sentia o sol a chicotear-me as costas com os seus raios dilacerantes, como poderia ser tão quente? Não o lembrava assim, antes certamente não teria tanta força. Estaria a ficar senil? Como poderia arder desta maneira? Corri para a sombra, embora mais se parecesse que planava pela aragem. Quando pretendia sentar-me de costas no tronco de uma árvore gigante que me cederia a sua sombra toda a tarde percebi que não andava, que nunca me sentaria e, mais, que não me encontrava no solo, caminhando.
Estava a voar.
Seria possível?
Não! Confirma-se. Estou senil...
Olhei para a traseira e lá estava: duas asas esguias de uma silhueta esbelta que dançava ao vento, uma plumagem esvoaçante que insistia em brilhar nas suas cores infinitas, um leque feito de tintas variadas e mescladas na perfeição.
Era óbvio que não já era mais quem fora...Era, de facto, um pássaro.
E mais. Estava a voar...
Ops...Abstraíra-me de mais em sorver a minha nova realidade que me deixara desequilibrar!
Estava em êxtase, que liberdade, que leveza, que serenidade... A brisa levava-me pelo céu, o sol queimava-me intermitente com as sombras das copas das árvores enormes, mas até o calor infernal me agradava. Estava a voar. As asas batiam, sacudiam-se, para subir no céu. A cauda mostrava-se um leme de excelência enquanto navegava aquele oceano de novas descobertas. A plumagem deixava-se impregnar, infiltrar, pelo vento, tornando-me no próprio ar.
Sentia-me embriagado de felicidade, que mais poderia querer? Já possuía o zénite da independência, da liberdade, da leveza...Estava a voar!
Ondulava nos céus, via o infinito.
Voava sem destino...
Voava...
Voava pela eternidade fora...
Voava...
Voav...
Voa...
Vo...
V...
...
Continuava a observar o pássaro enquanto este irrompia pelo ar, esvoaçando desengonçado, até o perder de vista ao longe! Mas uma coisa era certa, voava feliz...
Tal como o passarinho, também eu queria aprender a voar.
ResponderEliminarGostava que tentassemos voar o mais alto que nos fosse dado alcançar, pela nossa capacidade, intuição e sentimento. Só espero que o brilho desse voo nunca ofusque o rumo dos nossos caminhos, e que as nossas asas não fiquem queimadas, se, a ambição descabida de alcançar o Sol, se tornar grande demais.
Tal como para o passarinho tão pequenino, de pernas tão frágeis e tão desengonçado... Só queria que, a alegria dos nossos voos fosse contagiosa, o som das nossas letras fosse cheio de harmonia e desacordes... quando necessário. Que tivessemos a coragem de piar tão alto que se ouvidos não o ouvissem, estivesse em alerta o eco das montanhas.
Sem dúvida, de que darei este endereço a quem o quiser visitar. Porque, uma coisa é certa,uma visita é tão mais rica, quanto maior o número de visitantes empenhados.
Obrigada, companheiro. Vamos arregaçar as mangas e preparar as chuteiras.
Como sempre, encantado com a profundidade das suas palavras!
ResponderEliminarComo são diferentes as interpretações que fazemos daquilo que nos chega. Num instante é, noutro deixa de ser...
ResponderEliminarMas,persistimos na nossa ignorância das coisas, manifestando o pouco que sabemos de coisa nenhuma. Assim,o sinto, muitas vezes. Ou será que por norma?!...
Ainda, assim, correndo o risco de errar, penso continuar, certamente, a lugar nenhum. Até porque, sendo a nossa passagem tão efémera e tão pouco nossa, isso nos dá o "direito" de dizermos coisa nenhuma, mas que, insistimos em fazer pelas mais diversas razões.
Novo caminho, talvez, partilhado?!...
Gostei do nome?!... Arrepiou-me um pouco. Mas, porquê toda esta estranheza?! Não tem sido o que tenho feito da vida? Maledicência, talvez. Mas,quando toca às mais profundas convicções, aproveito mais uma riqueza que tenho. Podemos correr o risco de ser tolos. Mas, com todos os defeitos que temos, vivemos num cantinho do Mundo, até certo ponto democrático. Permitindo-nos dizer coisa nenhuma, não pensando em consequências nefastas e que possam ser de algum bem.